Jajogueroguata Teko Porã Re: Ensino de Ciências e Alianças Afetivas junto às Escolas Municipais Mbya Guarani em Maricá (RJ)

 

Por Daniel Ganzarolli Martins, Doutor em Educação e professor da rede municipal de Maricá, Rio de Janeiro. 

 

    Imagem: “Kyringue ikuai nhombo’ea revê” ou “as crianças estão junto ao professor”. Atividade feita no dia 06/06/2022 sobre a alimentação tradicional da cultura Mbya Guarani na Escola Municipal Kyringue Arandua, localizada em Maricá (RJ). Autoria: Daniel Ganzarolli Martins.

     

    A tese de título “Jajogueroguata Teko Porã Re: Ensino de Ciências e Alianças Afetivas Junto às Escolas Municipais Mbya Guarani em Maricá (RJ)” foi recentemente publicada como parte da conclusão do meu Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense, sob orientação da Professora Doutora Shaula Maíra Vicentini de Sampaio. 

    No percurso da minha pesquisa, estudei sobre o conceito de alianças afetivas, cunhado pelo intelectual Ailton Krenak (2015; 2022). Ascenso (2021), ao analisar a vasta obra deste intelectual indígena, coloca como essas alianças abarcam mundos humanos e não humanos, constituindo “relações que não se esgotam, que se perpetuam eternamente, seja com os mundos que convencionamos chamar de natureza, seja com os mundos que convencionamos chamar de sociedade” (Ascenso, 2021, p. 87). No sentido de podermos contar mais uma história e assim adiarmos mais um “fim do mundo”, devemos investir nas alianças afetivas que garantam não somente a existência física dos povos indígenas, “mas a sua existência completa, seus cantos, suas danças, suas histórias, suas relações não utilitárias com o mundo” (Ascenso, 2021, p. 91).

    Dessa forma, essa pesquisa disserta sobre a possibilidade de tais alianças afetivas entre um professor de ciências juruá – palavra que designa os não indígenas na língua guarani – e as comunidades escolares das Aldeias Ara Hovy e Ka’aguy Ovy Porã, ambas da etnia Mbya Guarani e situadas no município de Maricá (RJ). No espaço das Escolas Municipais Indígenas Kyringue Arandua e Para Poty Nhe’ë Já, realizei reflexões e experimentações pedagógicas no campo do ensino de ciências, tecendo conexões com o arandu (sabedoria, conhecimento) e as cosmopolíticas do povo Mbya Guarani. De que forma esses encontros com o Mbya reko – modos de ser do povo Mbya – podem provocar rupturas e novas possibilidades para o ensino de ciências realizado nas escolas indígenas e não indígenas? Como despir e confrontar o pensamento colonizador e colonizado que também nos habita enquanto professores e pesquisadores? 

    Acompanhei o cotidiano vivido em sala de aula das duas escolas citadas através de uma metodologia de inspiração cartográfica nos anos de 2022 e 2023, assim como vivências organizadas pelas comunidades indígenas e voltadas para um público juruá. Busquei tecer articulações e cruzamentos possíveis com uma constelação de conceitos da língua e da cultura mbya guarani, entendidos como “flechas” para perfurar e desestabilizar noções cristalizadas no ensino de uma ciência colonizadora e colonizada. 

    Minhas narrativas enquanto pesquisador e professor foram articuladas num diário de campo, atravessando os seguintes eixos: 1) As cosmopolíticas dos seres mais que humanos que habitam as aldeias e suas escolas, focando especialmente nos vínculos mantidos com os animais, as plantas e a Mata Atlântica; 2) O corpo e seus movimentos, diferenças e processos; a profunda conexão do corpo com a yvy rupa, “o leito terrestre”; 3) A decolonização da linguagem; a incompreensão, o estranhamento e o intraduzível da língua guarani na perspectiva de um juruá; 4) O caminhar em direção ao teko porã, que pode ser traduzido de forma simplificada como “Bem Viver”, mesmo em territórios fragilizados, e a importância da espiritualidade na resistência histórica do povo Mbya para manter seus modos de ser; 5) O papel dos professores, sejam juruás ou não, diante das lutas travadas pelos povos indígenas.

     A partir dessas reflexões, apresento a centralidade de territórios indígenas demarcados para o Bem Viver dessas comunidades e das suas escolas, e como a proposição cosmopolítica e as alianças afetivas podem ser potentes na construção de novos significados para o ensino de ciências em escolas indígenas e não indígenas.

     

    Referências:

    ASCENSO, João Gabriel da Silva. Alianças afetivas contra a tragédia da paisagem unívoca um olhar sobre o pensamento de Ailton Krenak. Wirapuru: Revista Latinoamericana de Estudios de las Ideas, n. 3, p. 78-94, 2021.

    KRENAK, Ailton. O movimento indígena e a Constituição de 1988 (Entrevista realizada por Marco Sávio). In: _______ (2015). Ailton Krenak: Encontros. COHN, Sergio (Org.), Rio de Janeiro: Azougue, 2015.

    _______________. Futuro Ancestral. São Paulo: Companhia das letras. 2022.

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    Rodrigo Martins

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