ANA KARIRI

Eu vivo a arte como um todo, a arte faz parte desse legado e memória de meu povo.”

Entrevista realizada por Rafaela Souza, estudante de História da UERJ Maracanã e bolsista do Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação NEPIIE/UERJ-FEBF.

No dia 4 de maio de 2022, entrevistei a artista e ativista indígena Ana Kariri, por meio da plataforma digital Google Meet. Entre os assuntos conversados estão o papel da arte e da ancestralidade para o seu reconhecimento como indígena; a Lei 11.645, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio e a sua participação no Acampamento Terra Livre 2022.

Ana é liderança indígena da etnia Kariri da Paraíba, arte educadora e artista contemporânea. Ela também é idealizadora e coordenadora de projetos pelo Coletivo Tuxaua-Rede de Saberes Indígena, integra o Conselho de Cultura de Duque de Caxias. Tem tido uma trajetória de importante atuação para o reconhecimento da presença indígena na Baixada Fluminense e faz parte da rede de Articulação Nacional RENIU- MULHERES e do Movimento Mundial Mulheres Reais de Arte e Poesia.

Sua infância foi na Paraíba, com suas matriarcas, seu povoado, sua língua Kariri. Foi criada com a avó e a bisavó. Aos oito anos, deixou o povoado e veio para o Rio de Janeiro morar com a mãe. “Eu cresci tecendo, eu cresci colhendo, fazendo as bonecas, as petecas da palha de milho. Quando eu vim para a cidade, esses eram os meus brinquedos, que me faziam matar um pouco a saudade da minha terra”, conta. “Eu vivo a arte como um todo, a arte faz parte desse legado e memória de meu povo. Então, a arte pra mim foi sempre um caminho que me fazia entender que daqui a pouco eu estaria de volta no meu território”.

Hoje, está em contexto urbano, se dividindo entre Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Sobre seus últimos trabalhos como artista e exposições, afirma:

Todo mundo sempre me conheceu dessa forma, levando minha arte, meu artesanato, depois minhas telas, e, hoje, esse processo de idas e voltas me faz estar em lugares como bienais europeias. (…) Ano passado, principalmente, durante a pandemia, foi o tempo que eu mais trabalhei, e minhas obras foram para outros espaços, outros países, foi inacreditável, mas foi muito bom, porque houve uma coisa muito forte de todo mundo se reconhecer através das redes sociais.”

As telas da Ana Kariri estão repletas de conhecimento das artes rupestres e conhecimento pedagógico. A maioria está em sua língua materna. Cabe destacar que ela faz questão de ressaltar como seus trabalhos também mostram muito de sua religiosidade e orientação ancestral.

Sobre a lei 11.645, ela conta que, antes mesmo de a lei existir, ela já trabalhava a educação indígena nas escolas, principalmente na Baixada Fluminense. Para Ana Kariri, ainda falta uma capacitação de professores, e, nas escolas, existem poucos livros que incentivam a cultura indígena. Reconhece que a implementação da Lei ainda é um desafio, principalmente na Baixada Fluminense. “Eu acho que tem que ir pra base, primeiro a base dos professores que se propõem mudar esse olhar deturpado, e também a base das crianças, desde a formação da educação infantil até o ensino médio. Aí, a gente constrói e reconstrói as raízes, tanto afro-brasileira quanto indígena, que na verdade são as raízes do Brasil.”

Na conversa, Ana fez uma crítica ao pensamento de que “indígena que é indígena vive na aldeia”. Na verdade, houve um processo de expulsão, principalmente dos povos do Nordeste. “Foi um processo de expulsão, porque, por mim, pela minha mãe, pela minha família, estaríamos nos nossos espaços. Minha avó conseguiu voltar depois de muito tempo, mas é lógico que ninguém quer sair do seu território, ninguém quer sair da sua casa.”

A artista critica como a educação indígena ainda é vista como algo comemorativo, como o dia do índio. “Esse ano no ATL (Acampamento Terra Livre) a gente discutiu para que não tenha mais o dia do índio, porque o dia do índio nos inferioriza. Então, vai ser o dia dos povos originários, já foi para tramitar e virar lei, pra gente também vai ser um avanço.” Infelizmente, essa proposta foi vetada pelo Presidente Jair Bolsonaro, mas a Associação Nacional dos Povos Indígenas (APIB) disse que irá recorrer. O ATL é um evento de mobilização dos povos indígenas do Brasil em torno de seus direitos constitucionais que acontece, anualmente, desde o ano de 2004, em Brasília.

Ana Kariri fala com muita emoção sobre sua participação no ATL. Define a experiência como forte e muito impactante, pois todos estavam muito voltados para a garantia dos direitos indígenas”. Um dos assuntos discutidos no acampamento foi a questão da invisibilidade dos indígenas em contexto urbano, que não se sentem representados na fala dos aldeados. Para mudar esse cenário fragmentado, Ana Kariri reforça a necessidade de união dos povos indígenas: “A partir do momento que a fala é uma só, fica difícil o poder público tirar os nossos direitos”. Durante a entrevista, a artista fala sobre sua participação em uma mesa de discussão com universitários indígenas, entre elas as dificuldades para acessarem o sistema de cotas, por estarem em contexto urbano.

Por fim, Ana expressa o seu desejo para que, cada vez mais mulheres, indígenas e professores, possam estar nos espaços acadêmicos, sendo protagonistas de sua própria história e que os livros que vão ser utilizados na academia, possam trazer esse protagonismo.

#Para conhecer Ana Kariri e ler sua entrevista na íntegra, clique aqui!

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