Alberto Alvares, cineasta indígena

O cinema Guarani hoje é uma ferramenta muito importante para a nossa comunidade”

Alberto Alvares, cineasta indígena

Alberto Alvares nasceu na aldeia Porto Lindo, Mato Grosso do Sul. Ele é cineasta indígena da etnia Guarani Nhandeva, professor e tradutor de Guarani e montador da produtora Nhamandu Produções. Segundo ele, o seu trabalho não pode contribuir com a população Indígena, uma vez que são mais de trezentas etnias no território brasileiro. No entanto, pode ser uma ferramenta importante na luta dos Povos Guarani. Nesta entrevista, ele conta sobre o trabalho mais recente, que retrata a sua própria história, e fala dos desafios do audiovisual indígena. “Eu falo que o cinema Guarani hoje é uma ferramenta muito importante para a nossa comunidade, tanto contra a expulsão, exploração de terras, quanto nas lutas pelos direitos do nosso povo Guarani.”

De que forma o seu trabalho pode contribuir com a comunidade indígena?

Alberto Alvares – Eu não posso generalizar, dizendo que o meu trabalho vai contribuir com toda a população, porque primeiro tenho que pensar que existe esse olhar diferente, essa forma de entender a própria vida, o próprio costume, o próprio mundo. Então, posso falar que o trabalho que eu venho fazendo é para mostrar para a sociedade como nós, Guarani, pensamos sobre a nossa luta, sobre a forma de resistir.

O cinema Guarani hoje é uma ferramenta muito importante para a nossa comunidade, tanto contra a expulsão, exploração de terras, quanto nas lutas pelos direitos do nosso povo. Ao mesmo tempo, uma forma de ter esse reconhecimento da sociedade, que as pessoas venham valorizar nosso pensamento, nosso modo de viver, de enxergar o nosso próprio Tekoá, que é o nosso lugar.

Na maioria das vezes, a mídia nos projeta como índios romantizados, e não conta nossa visão, como é o nosso pensamento sobre o nosso lugar, sobre o modo de vida Guarani. Muitas vezes, quando contamos a nossa história, invertendo o papel, mostrando nosso ponto de vista, e produzindo o nosso próprio filme, a gente passa a transmitir o nosso olhar para o mundo. Quando a gente começa a transmitir o nosso olhar, deixa de ser caça e se torna caçador da nossa própria história.

A minha luta é uma contribuição. Eu venho pensando sobre esses caminhos, sobre os caminhos da câmera, que guarda esse sentimento, essa memória do meu próprio povo. Isso me deixa feliz, por poder registrar um pouco dessa luta dentro do audiovisual. É a maneira que eu posso contribuir com o meu próprio povo. Por isso, eu falei que não posso falar em nome da população, de todos os povos. Sou apenas um povo.

Não posso falar que o meu cinema pode contribuir com mais de trezentos povos diferentes que estão nesse território brasileiro. Posso falar mais de como o meu trabalho pode contribuir com os meus próprios parentes, guardando a sabedoria, as memórias, o saber coletivo, o pensamento, a filosofia dos mais velhos, guardando esse conhecimento tradicional. É assim que eu penso sobre o meu trabalho.

Alberto Alvares
Aldeia Araponga, 2020.

Fale um pouco da sua experiência como cineasta e cite um trabalho que marcou a sua trajetória.

Alberto Alvares – Eu faço filmes em diferentes lugares, com os meus parentes. O que me marca hoje é um filme que estou fazendo, como se o Alberto retornasse para o seu próprio território, no lugar onde eu nasci. É claro que todos os filmes que eu venho produzindo marcam os lugares que eu passo, registram a memória de cada aldeia, de cada lugar. Mas hoje eu vejo que o filme que eu estou realizando (e vou lançar esse longa-metragem até o ano que vem, em 2023) está me marcando muito. Isso que estou trazendo dentro de um filme não é apenas o retorno de Alberto. Estou trazendo esse conhecimento, esse pensamento dos grandes líderes sonhadores, da região da fronteira.

O lugar que eu nasci, que é Mato Grosso do Sul, não é só uma aldeia, é um território muito grande. O cinema fez eu perceber essa história de marcar. Fico pensando que é isso que eu venho querendo fazer há muito tempo. Hoje eu estou retornando para o lugar onde eu nasci, do qual eu saí muito jovem.

Somos capazes de sair de um lugar e retornar para onde nascemos. Capazes de falar da própria história, sem outro para falar por você. Isso me marcou muito. Na minha trajetória, o que também marcou o meu começo de fazer o filme foram os líderes espirituais, porque eu aprendi tudo para percorrer esses caminhos dentro do cinema.

Alberto Alvares, cineasta indígena

Quais os principais desafios do audiovisual indígena?

O desafio para os povos indígenas é, principalmente, o recurso, que muitas vezes o pessoal procura para poder realizar o seu trabalho. Quando se abre um edital, ele não é especificamente para os povos indígenas concorrerem. A primeira dificuldade é que não tem uma empresa para que a gente possa inserir os grandes projetos, captar recursos. Nisso, a gente já perde.

Muitas vezes nós encontramos essa dificuldade de escrever um projeto. Às vezes, você sabe fazer um filme, mas não sabe escrever um projeto. Então, talvez essa dificuldade poderia ser pensada de outra forma nos editais. A pessoa deve pensar a narração, em vez de escrever em vídeo, falar quais são os pensamentos das comunidades. Poderiam existir essas possibilidades.

O recurso é fundamental para fazer o filme. Para fazer um filme mesmo, você precisa ter um recurso para poder trabalhar. Não é apenas fazer o filme em um celular. Celular não é igual a um equipamento. Você pode ter o melhor celular, mas não vai fazer um filme como você faz em cinemas de qualidade. Os equipamentos são caros. Para ter um equipamento, você precisa ter um investimento. Isso eu não tenho, então acaba dificultando. Essa é a maior dificuldade para a gente dentro do audiovisual.

Aldeia-Mata-Verde-Bonita
Aldeia Mata Verde Bonita – Maricá. Rio de Janeiro, 2021.

 

Gostaria de acrescentar alguma informação?

Eu só espero que esse projeto, esse site, contribua para que o pessoal acesse e tenha outro olhar sobre os povos indígenas.

Eu acho que esse site pode contribuir bastante também com nossos parentes, através da pesquisa, do estudo, e fazer as pessoas pensarem de outra forma sobre as comunidades indígenas.

Oficina de audiovisual oferecida pelo Museu da Pessoa. Maranhão, 2022

Para entrar em contato:

Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCuXW03yCtlDApFYxoqPgilA

Instagram: @diretor_de_cinema

* Entrevista realizada por Rafaela Souza Palmeira, estudante do curso de História da unidade Maracanã da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), bolsista do Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação – NEPIIE/FEBF, no dia 01 de agosto de 2022, por plataforma digital.

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