Texto: José Raphael Berrêdo – Site G1
Em entrevista ao g1, fotógrafo comenta as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, critica o governo, diz que sentiu mudança climática na floresta e fala da relação com os indígenas.
Um misto de encantamento pela floresta e pelos povos indígenas com a necessidade de um alerta internacional contra o desmatamento e a violência. Essas foram as principais motivações para o fotógrafo Sebastião Salgado se dedicar ao projeto que levou à exposição “Amazônia”, que na terça-feira (19) chega ao Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
Em entrevista ao g1, ele contou como vê a Floresta Amazônica ser destruída ao longo das dezenas de expedições que faz desde os anos 80 – “Senti nesses anos, inclusive, uma mudança climática”, conta.
Imagem: chuva sobre o Rio Negro, no Amazonas, em 2019 — Foto: Sebastião Salgado/Divulgação- reprodução: site:g1
Salgado critica o governo federal e a forma como estão sendo geridos órgãos de preservação ambiental e dos povos indígenas.
“A Funai sempre foi uma instituição que protegeu a comunidade indígena (…) A Funai não trabalha mais na proteção dos indígenas nem do território indígena. A Funai passou a ser um instrumento do agronegócio retrógrado”, disse.
O fotógrafo também falou da sua relação de admiração com os povos indígenas, seus protetores na floresta. “Eles têm um conhecimento fantástico da floresta. Eles têm uma relação completamente diferente da nossa com a natureza. Eles são parte da biodiversidade.”
Leia abaixo a entrevista completa.
Veja a Mostra
Imagem: Família Korubo, em foto tirada no Amazonas em 2017 — Foto: Sebastião Salgado/Divulgação- reprodução- site g1
Após o sucesso em Paris, Londres, Roma e São Paulo, a mostra “Amazônia” teve correria para ingressos no Rio. A abertura, na terça-feira (19), já estava lotada na última quarta-feira (13).
Mas há tempo: a exposição está prevista para permanecer no Museu do Amanhã até 29 de janeiro de 2023, sempre de terça a domingo, das 10h às 18h. Os ingressos custam R$ 30 (às terças, a entrada é gratuita).
A mostra foi idealizada por Lélia Wanick Salgado, mulher do fotógrafo, que assina a curadoria. No total, estão expostas 194 fotografias, em preto e branco, da floresta e dos povos indígenas.
Motivação para lançar a exposição sobre a Amazônia:
“Trabalhei muito na Amazônia antes de começar esse projeto. E, a partir dos anos 80, eu comecei a viajar na Amazônia. A partir de um momento, eu comecei a ver que a degradação da Amazônia era realmente efetiva. E eu, como fotógrafo, tendo uma linguagem que eu poderia apresentar no mundo inteiro, eu tomei a decisão de fazer uma história sobre a Amazônia. Mostrando a partir da Amazônia prístina, mostrando a Amazônia viva, que ainda existe, o que representa essa exposição. 82% da Amazônia ainda são como foi sempre a floresta, sem nenhuma destruição. Então, eu tomei essa decisão porque eu acho que é uma forma de a gente proteger o ecossistema amazônico, proteger as comunidades indígenas e apresentá-las às pessoas que não conhecem exatamente como elas são. Para as pessoas terem consciência do poder, da importância da Amazônia porque só com a participação de todos, com a pressão social imensa, com a pressão política, com a pressão financeira nós conseguiremos parar a destruição da Amazônia.
“Nós queríamos que as pessoas que viessem a essa exposição, quando elas saíssem da exposição não seriam as mesmas que entrassem. Elas recebessem aqui uma carga emotiva, uma carga de informação, uma carga de informação política que é dada pelas próprias lideranças indígenas que falam em vídeos dentro da exposição, que a gente possa transmitir essa ideia da Amazônia às pessoas que venham ver.”
A transformação da Amazônia:
“A parte pura, a parte prístina da Amazônia é a parte central. A Amazônia está sendo destruída pelas periferias. Então, está havendo um avanço brutal nos territórios do bioma Amazônia a partir do estado de Pará, do estado do Maranhão, Rondônia, hoje (…) As comunidades indígenas foram profundamente atingidas e profundamente ameaçadas. Eu senti nesses anos, inclusive, uma mudança climática na Amazônia. Porque, com a destruição de 18% da Amazônia, nós destruímos uma superfície incrível na Amazônia. Hoje, a quantidade de precipitação dentro da Amazônia diminuiu e toda a transmissão através dos rios aéreos, as correntes aéreas que saem da Amazônia e que garantem as chuvas no Brasil, na Argentina, no Paraguai também estão reduzindo em função dessa destruição. Então, você viajando na Amazônia é razoavelmente perceptível toda essa transformação.”
Como o mundo vê a Amazônia e o que fazer?
Existe realmente uma preocupação planetária de proteção da Amazônia. Eu acho que o Brasil, possuindo essa extensão colossal que é o espaço amazônico, o Brasil tem uma vantagem imensa, teria uma vantagem imensa, na recuperação de recursos, na instalação de projetos sustentáveis a longo prazo que gerariam um fluxo de riqueza ao Brasil muito maior do que está gerando hoje com a destruição da floresta. Então, eu acho que é um problema de opção, de opção inteligente em relação à Floresta Amazônica. Os governos anteriores brasileiros tiveram a inteligência de proteger o bioma amazônico. Porque o Ibama, que ajudou a proteger a floresta, o Ibama pertence ao Ministério do Meio Ambiente. A Funai, que ajudou a proteger os territórios indígenas e as comunidades indígenas, pertence ao Ministério da Justiça. Então, foi o governo brasileiro que protegeu a Floresta Amazônica em nome de todos os brasileiros. E caberia ao governo brasileiro hoje continuar a proteger e trabalhar em projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia que iriam angariar fundos colossais par ao Brasil. O Brasil possuindo esse capital verde do planeta, hoje que o planeta está altamente preocupado com o aquecimento global, acho que seria um momento fantástico. Nós estamos fazendo exatamente o contrário, nós estamos destruindo o nosso capital em troca de absolutamente nada.
A situação da Funai:
“A Funai é uma instituição extremamente importante. A Funai que garantiu uma grande parte do território amazônico reconhecendo os territórios indígenas, demarcando e homologando os territórios indígenas. A Funai sempre foi uma instituição que protegeu a comunidade indígena. Mas no governo atual a Funai tem uma outra função. A Funai não trabalha mais na proteção dos indígenas nem do território indígena. A Funai passou a ser um instrumento do agronegócio retrógrado. Não para todo o agronegócio, uma parte do agronegócio é contra a destruição da Floresta Amazônica, mas só o retrógado. Ao ponto que a Funai sempre foi dirigida por cientistas, cientistas sociais, antropólogos, indianistas, sociólogos. Hoje, a Funai é dirigida por um delegado de polícia. Uma parte dos agentes da Funai, uma grande parte, foi afastada e colocado no lugar militares, policiais no lugar desses agentes. Então, a Funai não tem mais essa função, mas a Funai é uma grande instituição. A história da Funai é uma história de uma das maiores instituições das Américas em relação à proteção das comunidades indígenas e a Funai voltará a ser na hora que esse governo desaparecer e que um governo que respeite as instituições volte a existir no Brasil.
Violência na Amazônia e o governo Bolsonaro:
“Muito foi destruído, mas o bioma amazônico é gigantesco, é imenso. Eu acho que nós temos tempo sim de proteger uma parte do que foi destruído, nós podemos reconstruir. Está havendo um grande problema, hoje, é a violência, que foi introduzida pelo governo atual na Amazônia, e um governo novo que vier ele pode controlar essa cadeia da violência. A cadeia da destruição da Amazônia está ligada à violência na Amazônia. Garimpeiros, pescadores ilegais, as pessoas que extraem ilegalmente as madeiras da Amazônia. Então, tudo isso é possível controlar se a gente ativar as instituições que eram os filtros de controle da Amazônia, que é a Funai e o Ibama. Eu acho que a partir desse momento que um novo governo se instalar e que trabalhar seriamente no controle, em alguns meses, nós paramos essa distribuição massiva que está havendo na Amazônia.
O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira:
“Eu não estive na Amazônia depois, mas eu conhecia, tanto o Bruno quanto o Dom. Eu trabalhei com eles em outras ocasiões, conheço bem a região onde eles foram assassinados, eu trabalhei com várias comunidades indígenas, inclusive a comunidade indígena que está aqui atrás da gente, são os Korubo, os Korubo são daquela região ali, o Vale do Javari.”
“Eu conheço bem a região, conheci bem eles, eu acho que eram todos os dois pessoas do bem, pessoas da paz que dedicaram a vida à Amazônia e que, de uma certa forma, o governo atual tem uma parcela imensa de responsabilidade na morte dos dois.”
Perigos na Amazônia:
“Junto aos indígenas eu não corri perigo nenhum porque os indígenas são pessoas extremamente doces, são pessoas onde o nível de violência para eles é o último na escala de valor. Não são violentos os indígenas, são pessoas extremamente agradáveis (…) A Floresta Amazônica é um paraíso. Não existe doenças amazônicas. A malária, que existe em alguns pontos da Amazônia, não é uma doença amazônica. É uma doença africana que foi introduzida na Amazônia, mas que o Brasil, através do SUS, controlou e controlou muito bem. Os rios da Amazônia são ricos.”
“Os únicos perigos da Amazônia são, às vezes, as serpentes. Você tem que fazer muita atenção porque existe realmente serpentes perigosas. Mas você viajando com os indígenas na Amazônia, eles te protegem, eles veem o que você não vê dentro da floresta. Eles vivem, nasceram, têm um conhecimento profundo da floresta, te protegem. Então, eu fui protegido por eles dentro da Amazônia.
“Os perigos possíveis foram os voos que às vezes eu tive que fazer na Amazônia, que eram aviões antigos, em condições precárias, às vezes nós tivemos a possibilidade de pane, e uma pane na Amazônia significa a morte. Você não tem onde aterrissar, você não tem onde colocar o avião (…)”
“Os anos que eu passei na Amazônia, para mim, foram todos de prazer.”
As lições da Amazônia e dos indígenas:
“Os povos indígenas na Amazônia brasileira, principalmente, representam a pré-história da humanidade. Só na Floresta Amazônica brasileira tem em torno de 102 grupos que nunca foram contatados. Só no Vale do Javari tem 8 grupos que nunca foram contatados, completamente isolados, que não conhecem nada da nossa civilização – dita civilização. Mas esses indígenas são impressionantes. Eles são exatamente como nós. Não tem diferença nenhuma porque eles são, como nós, eles são um homo sapiens. Se, por acaso, eu tivesse uma relação com uma indígena, uma relação sexual, ela poderia ter um filho meu porque, matematicamente, biologicamente, nós somos a mesma espécie. Não tem diferença nenhuma.”
“É interessante de ver que esses indígenas têm uma quantidade de produtos que nós tempos. Eles têm antibióticos, eles têm anti-inflamatório, eles têm praticamente todos os medicamentos que nós temos em forma natural. Então é colossal de ver o conhecimento que eles têm. Eles têm um conhecimento fantástico da floresta. Eles têm uma relação completamente diferente da nossa com a natureza. Eles são parte da biodiversidade.
Então, isso para mim foi um conforto muito grande. A primeira vez que eu vim trabalhar com uma tribo indígena nos anos 80, eu tinha a impressão que ia ser muito difícil. Que eu vinha para um povo, que eu não falava a língua dele, difícil, isolado… Olha, com menos de uma hora eu estava na minha casa. Porque, tudo que era essencial para mim, vivendo no final do século 20 em Paris, na Europa, cheguei lá e o que era essencial para mim era essencial para eles. Eles amavam da mesma forma, eles tinham ideia de comunidade exatamente como a minha, eles tinha ideia de solidariedade igual à minha. Então, tudo aquilo que é essencial, que a mãe da gente ensina quando a gente é menino, a mãe deles ensinou a eles exatamente a mesma coisa. Nós somos a mesma espécie. Quando eu ia trabalhar numa comunidade de elefantes, numa comunidade de leão, eu tinha que fazer muita atenção, porque o sistema racional e lógica deles é muito diferente do meu. Eu tinha que fazer muita atenção para tentar compreender, com uma certa racionalidade, para eu poder me encaixar. Ao passo que quando eu vim trabalhar com as comunidades indígenas, não teve nada disso. Eu cheguei na minha casa, na casa do ser humano, na casa do homo sapiens.”