Pesquisa traça panorama da presença indígena na Uerj e estimula integração entre os alunos

Quem são os alunos indígenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)? Uma pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação (Nepiie) da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) buscou responder essa questão. Além de identificar os estudantes e os cursos onde estão incluídos, o trabalho visou também a estimular a formação de redes entre eles para atuação em prol da luta antirracista e de maior visibilidade da sua presença na instituição. As trocas de experiências levaram à formação do coletivo Yandé Iwí Mimbira (“Nós, filhos da Terra” em língua Nheengatu), que promoveu seu primeiro evento público no fim de março.

    Imagem: Reprodução Site UERJ

    O grupo reúne atualmente cerca de 15 universitários, matriculados em três campi – Maracanã, Duque de Caxias e São Gonçalo –, nos cursos de História, Educação, Psicologia, Direito, Medicina, Nutrição, Odontologia e Letras. “Tivemos uma longa caminhada até localizar esses estudantes”, conta a coordenadora do Nepiie, Kelly Russo.

    O levantamento começou a ser feito em 2017, inicialmente para mapear o acesso, a permanência e as condições de término da graduação dos cotistas indígenas. No entanto, não havia informações precisas sobre esse contingente. Após interrupção pela pandemia de Covid-19, a busca foi retomada e intensificada em 2022. De acordo com Russo, a ideia era chamar os alunos para uma “pesquisa-ação” – modalidade que prevê o envolvimento dos próprios sujeitos no estudo. “Conseguimos contatar cerca de 20 cotistas autodeclarados indígenas para convidá-los a participar. Nove aceitaram e trouxeram outros que se reconhecem como indígenas, mas que não ingressaram por meio das cotas”, detalha.

    Políticas afirmativas

    O Rio de Janeiro tem oito aldeias, com cerca de mil habitantes. São sete Guarani, em Angra dos Reis, Paraty e Maricá, e uma Pataxó, também em Angra. Outras 15 mil pessoas que vivem na Região Metropolitana se autodeclaram como indígenas, segundo a prévia do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022. “Justamente devido a essa complexidade, consideramos como fundamental a participação ativa de estudantes e pesquisadores indígenas no debate sobre ações afirmativas em nosso estado”, ressalta Russo.

    Do início da implementação do sistema de cotas, duas décadas atrás, quando a Uerj foi pioneira, para os dias atuais, houve decréscimo no número de candidatos indígenas. A pesquisa do Nepiie aponta que o principal motivo tem sido o aumento de exigência de documentos. “Para evitar fraudes, as universidades públicas pedem uma série de papéis que comprovem a etnicidade, como o Registro Nacional de Indígena, emitido somente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ou cartas de associações, por exemplo. O problema é que estas não possuem grande estrutura. E não temos, no Rio, órgão da Funai acessível”, diz a coordenadora.

    A chegada ao ensino superior também enfrenta dois outros obstáculos. O primeiro é a dificuldade na conclusão do ensino médio: segundo o Nepiie, o estado é um dos mais precários na oferta da educação básica para a população das aldeias. O segundo é a questão linguística – muitos não têm o Português como primeira língua, o que dificulta a compreensão das provas do vestibular. “A política de ações afirmativas voltada para esses povos precisa discutir também a possibilidade de outras formas de acesso. Não basta oferecer cotas”, defende.

    Diversidade e inclusão

    A pesquisa revela que o perfil dos estudantes indígenas da Uerj é variado. De um lado, existem aqueles que, mesmo tendo entrado na graduação por meio das cotas, ainda vivenciam um processo de “insurgência identitária”, buscando conhecer melhor a ancestralidade de sua família. De outro lado, há aqueles que apresentam uma história familiar muito próxima da experiência nas aldeias, mas que decidiram se candidatar por ampla concorrência devido à dificuldade em conseguir todos os documentos exigidos para comprovar a identidade étnica.

    O recém-formado coletivo Yandé Iwí Mimbira tem a proposta de abranger toda essa diversidade. Tanto o Nepiie quanto o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Proíndio) apoiam o grupo, mas incentivam que ele seja autônomo, para que tenha voz ativa nos debates da Universidade.

      Imagem:Reprodução Site UERJ

      téphanne Gaia, que cursa Psicologia, é uma das integrantes. Ela destaca que começou a desconstruir uma série de falsas preconcepções sobre sua origem ao longo da vida adulta. “Eu ganhava apelidos do tipo ‘indiazinha’ quando era pequena, e não gostava disso por causa estereótipos brancos hegemônicos como ‘índios vivem pelados’ ou ‘índios são preguiçosos’. Mas, assim que saí da infância, passei a ter orgulho”.

      Flávia Alves, estudante da Faculdade de Direito, já se sentiu prejudicada, quando tentou se matricular em outra universidade. “Tive uma experiência desagradável no processo de envio de documentos para matrícula, quando fui questionada sobre minha raça e colocada como uma pessoa ‘sem fenótipo de parda’”, conta.

      “Percebemos que, ano após ano, estão diminuindo as inscrições de descendentes no vestibular, devido à burocracia. Entendo que algo deveria ser feito para barrar fraudes, mas acredito que, nesse caso, está atrapalhando mais do que ajudando”, acrescenta Stéphanne.

      Reunir e conhecer

      O 1º Encontro de Universitários Indígenas da Uerj ocorreu no dia 30 de março e teve como foco o compartilhamento de experiências, além de debates sobre práticas de inclusão, acolhimento e visibilidade para esses alunos. O evento recebeu mais que o triplo do tamanho do atual coletivo, reforçando a importância do movimento.

      “Essas reuniões ainda são raras no meio acadêmico, pois as pessoas não se engajam muito na causa”, explica a futura advogada Flávia. “É importante quebrar o estereótipo do indígena somente aldeado. É preciso mostrar que a universidade também é nosso território, que estamos em todo lugar, e isso não nos faz menos indígena”.

      A graduanda de Psicologia reforça: “Quantos não deixam de acessar esses espaços? Muitos têm a história de sua ascendência apagada. Muitos nem sabem onde e a quem devem recorrer para conseguir saber sobre a sua ancestralidade ou acessar seus direitos. Precisamos acolher os outros estudantes, abrir caminho para os novos, e enfatizar que a Uerj é lugar de todos”.

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      Rodrigo Martins

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