Exploração ilegal de madeira ameaça vida e cultura dos indígenas da região

Texto: Le Monde Diplomatique Brasil

“A cultura indígena pode ser extinta quando não houver mais floresta e os animais, aí a nossa cultura morre. Ninguém vai nos intimidar, nós não vamos recuar, vamos lutar até o fim”, diz uma das lideranças da Terra Indígena (TI) Araribóia, no estado do Maranhão, Amazônia Legal brasileira. Por motivo de segurança, não iremos identificar fontes diretamente de territórios ameaçados.

A Terra Indígena (TI) Araribóia é a segunda maior do estado do Maranhão com, aproximadamente, 15 mil indígenas vivendo em uma área de cerca de 413 mil hectares abrangendo seis municípios: Arame, Amarante, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Grajaú e Santa Luzia. Mesmo demarcado, homologado e registrado, o território é alvo das ações de invasores, entre eles, caçadores, fazendeiros, atividade ilegal madeireira e, ainda, por meio de arrendamento de pastos. Um dos líderes da TI Araribóia – que não foi identificado para a sua proteção, já que está entre os integrantes ameaçados da comunidade tradicional – fala ainda que a recorrente invasão, em especial aquela relacionada à atividade madeireira ilegal, traz destruição do ambiental e gera inúmeros conflitos internos.

Quem traz luz, também, a esse aspecto é Marcilene Guajajara, da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima). A organização, que existe desde 2003, recebe denúncias periódicas sobre a exploração ilegal de madeira no estado e elas vêm, em geral, dos municípios Amarante e Arame. Ela coloca que a vida dos indígenas vem sendo afetada pelo desmatamento acelerado e por conflitos diretos, vulnerabilizando também a saúde dessa população.  

“Hoje, a maior parte desse povo vive ameaçado dentro dos territórios. Isso causa muito medo. As pessoas já não têm tanta liberdade de viver, como antes”, diz Marcilene.

Como estratégia de sobrevivência e cuidado com os territórios, a liderança da TI Araribóia relata que o monitoramento constante dos limites dos territórios é necessário. Quando há operações maiores, como a própria verificação de denúncias entre outros tipos de fiscalização, há o apoio da Polícia Federal e Civil, da Força Nacional [de Segurança Pública] e ainda do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Em resposta a um pedido de informações via Lei de Acesso à Informação, o Ibama afirma que há diversos grupos criminosos envolvidos em fraudes na cadeia florestal e que compram madeiras de origem ilegal. Estes mesmos grupos são responsáveis, muitas vezes, por financiar o corte da madeira e acobertar a respectiva origem por meio de créditos virtuais.

De modo geral, a extração de madeira ilegal causa impactos ambientais e sociais ao ter como resultado o esvaziamento da fauna associada a esses ambientes, o prejuízo direto às nascentes de rios e aos respectivos percursos impactando, então, na soberania alimentar dos povos mais conectados a vida junto a natureza. É o que coloca Gilderlan Rodrigues, coordenador do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi. Ainda segundo ele, “a extração ilegal de madeira atinge todo um conjunto social dos povos indígenas”.

Um panorama do desmatamento ilegal na Amazônia legal brasileira

O bioma amazônico abrange nove países na América Latina, 60% dele, está localizado na região Norte do Brasil, com cerca de 26% da flora conhecida do país, entre vegetação nativa, cultivada e naturalizada. São mais de 13 mil espécies não lenhosas e lenhosas. Todas de alto valor para a vida humana e exploradas, principalmente, por meio de um mercado mundial que parece ligar pouco para origem e, menos ainda, para quem é afetado no processo.

Em site oficial, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA e MC) afirma estar promovendo ações para a conservação da biodiversidade e aproveitamento das potencialidades no campo do desenvolvimento sustentável da região. São medidas que incluem “projetos para a gestão sustentável da paisagem, incluindo adequação ambiental, consolidação de unidades de conservação, cadeias produtivas sustentáveis e inovadoras, recuperação de áreas degradadas e pagamento por serviços ambientais”.

Uma forma de tentar acompanhar informações sobre o desmatamento na região, por exemplo, é por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (o Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), unidade vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do Brasil. A plataforma Prodes mostra que o Maranhão é o 5º estado da ALB em taxa de desmatamento acumulado, desde o início do programa, em 1988, até 2022, com mais de 26 mil km² desmatados.

Há ainda um sistema de alertas de desmatamento de vegetação nativa com imagens de alta resolução, o MapBiomas Alerta. A plataforma permite observar alertas de detecção de desmatamento de vegetação lenhosa, desde janeiro de 2019. Desde então e nessas condições, quase 6,5 milhões de hectares foram desmatados no país todo, com destaque para a região amazônica, representando 58% do total desmatado. Entre os estados da região, o Maranhão ocupa o 4º lugar no ranking dentre os que mais perderam esse tipo de vegetação, atrás do Amazonas (3º), Mato Grosso (2º) e Pará (1º). É também, no estado do Maranhão, onde se encontra o município Alto da Parnaíba que apresentou maior velocidade na extração de vegetação nativa, chegando a 239,1 hectares de áreas afetadas por dia (Tabela 1).

A partir desse cenário, mais de 90% do desmatamento que ocorre na Amazônia apresenta sinais de ilegalidade. É o que coloca a organização de análise de políticas públicas e finanças Climate Policy Initiative (CPI), em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). A destruição da floresta está conectada, do modo geral, às atividades ilícitas como a mineração ilegal, a grilagem de terras e a extração ilegal de madeira. Isso tem significado, para a região, uma série de práticas criminosas associadas ao aumento das violências.

Ainda segundo a organização de pesquisa e elaboração de políticas públicas, esse cenário pode contribuir para o afastamento de mercados formais, além de representar risco para os habitantes da região amazônica brasileira. Estamos falando de populações tradicionais, que buscam reconhecimento e vêm sendo sistematicamente desmobilizadas em seus territórios e, com isso, socioculturalmente.

A plataforma De Olho nos Ruralistas apresenta o resultado de pesquisa sobre o desmatamento, em todo o país, com base nas multas aplicadas pelo Ibama, traçando um histórico de infrações ambientais num intervalo de tempo de 25 anos (de 1995 a 2020). Segundo o levantamento, a maior parte das autuações milionárias ocorreu na Amazônia, o que surpreende são as datas relacionadas ao estado do Maranhão (Infográfico 1).

 

    Imagem: reprodução site ANAI (Associação Nacional de Ação Indigenista)

    As multas ocorreram de abril de 2005 a dezembro de 2006, mas como levantado e colocado, o estado figura entre os que mais desmatam e com velocidades recordes. Até o fechamento desta reportagem não foi possível ter acesso à atualizações nessa direção.

    A “rota da madeira ilegal” e o histórico recente de apreensões no Maranhão

    A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (Sema) informou que – de abril de 2022 a junho de 2023 – foram apreendidas, aproximadamente, 760 m³ de madeira ilegal somente no estado do Maranhão, em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) do estado. A Secretaria observou que, entre os perfis que mais desmatam, estão pessoas jurídicas cuja atividade é a revenda de madeira beneficiada (madeireiras), como também do carvão vegetal e da lenha. Em geral, são recursos que abastecem demandas internas nacionais utilizadas na construção civil.

    A Sema ratifica que a derrubada ilegal é considerada crime e está sujeita a penalidades estabelecidas na Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998) entre outras leis e regulamentações no âmbito do estado do Maranhão que podem ser diretamente aplicáveis. A instituição dispõe, ainda, de um canal de denúncias em Ouvidoria própria, por meio do número +55 98 3194-8911, ou por meio do sistema Sigep/Sema.

    Segundo números da Polícia Rodoviária Federal do Maranhão (PRF-MA), as apreensões de madeira ilegal, resultado de ações de fiscalização, chegaram a 6.208 m³, em 2021; 4.847m³, em 2022, e já configuram 3.204 m³, apenas no primeiro semestre de 2023. Segundo o Inspetor do Núcleo de Comunicação da PRF-MA, Adel Barbosa, a queda no quantitativo de apreensões pode ter relação com formas empregadas para burlar o sistema ou mesmo o uso de rotas alternativas para desviar de pontos de fiscalização.

     

    As maiores apreensões no Maranhão ocorreram nas cidades de Imperatriz e Santa Inês, rotas conhecidas de escoamento da madeira, de dentro e de fora do estado. De modo geral, a madeira ilegal proveniente da região amazônica vem, principalmente, do estado do Pará (85%), pela rodovia, e aquela advinda de demais estados (como Amazonas, Roraima e Amapá) chegam de balsa na capital do Pará e em Santarém para, então, seguir pelas estradas.

    Nessa direção, as unidades operacionais da PRF-MA em Imperatriz, Porto Franco e Açailândia cobrem parte da extensão da BR 010, a conhecida Belém-Brasília, que atravessa os estados Pará, Maranhão, Tocantins e Goiás. Já as unidades operacionais da PRF-MA em Santa Inês e em Nova Olinda, representam, por exemplo, um campo de atenção à BR 316, uma rodovia federal que também sai de Belém, desta vez, a caminho do Nordeste brasileiro chegando à cidade de Maceió, capital de Alagoas.

    Por essas e outras rotas, a madeira ilegal chega em pontos clandestinos onde são cortadas em formato de viga, vigote, sarrafo e ripa. Assim, seguem para o Nordeste, Sudeste e Sul brasileiros. Entre as espécies de maior destaque nas apreensões estão Maçaranduba, Jatobá, Cumaru e Tatajuba destinadas ao setor de construção, em sua maioria. O Jatobá, por exemplo, é uma das espécies ameaçadas de extinção e segue na categoria vulnerável segundo classificação do Serviço Florestal Brasileiro.

    No momento da apreensão da madeira ilegal pela PRF, o caminhoneiro que realiza o transporte assina o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) se colocando à disposição do Juizado Especial Criminal, quando chamado. A partir disso os órgãos ambientais, como a Sema ou o Ibama, são comunicados oficialmente com todas as informações da respectiva apreensão. São essas mesmas organizações que ficam responsáveis pela retirada das respectivas cargas e por dar seguimento aos procedimentos legais cabíveis. Na “ponta final”, estão o Ministério Público e o Poder Judiciário Especial Criminal no papel de convocação e julgamento dos responsáveis, em até dois anos, quando esse tipo de crime prescreve.

    A luta dos guardiões da floresta e o medo do presente violento 

    Em meio a tudo isso, povos indígenas se veem num lugar de vulnerabilidades, é o que diz outra liderança indígena da região de Arame, um dos municípios que fazem parte da TI Araribóia, no Maranhão. Segundo a liderança, as invasões, por motivo de exploração de madeira, já ocorrem desde pelo menos o ano de 1984, e nunca parou. Afirma ainda que cerca de metade do território apresenta alguma ação madeireira e que há grande preocupação do avanço de atividades relacionadas ao arrendamento de terras para pastoreio bovino.

    Além da preocupação com atividades que possam agravar a situação do desmatamento, os chamados Guardiões da Floresta fiscalizam e monitoram o território preocupados ainda com os povos isolados que vivem da caça, da pesca e da coleta, por exemplo. Esse monitoramento é resultado de um trabalho coletivo e não remunerado, totalmente voluntário e também perigoso. A exposição, considerada necessária para a sobrevivência da cultura indígena, foco da luta, segundo a liderança da região de Arame, leva a encontros violentos e até a assassinatos de nomes importantes para a história e para a cultura desses povos. “A gente faz esse trabalho de fiscalização e monitoramento do nosso território e a gente atrapalha a atividade desses madeireiros que ficam roubando as nossas madeiras do nosso território. A gente não tem paz nas nossas aldeias. Isso é minha revolta, minha indignação, sou liderança, faço parte da comunidade. Fica difícil a gente viver num país democrático e que não tem esse olhar amplo pro nosso povo indígena. Então a gente fica à mercê dos invasores”, reflete a liderança.

    Como tentativa de interromper as ações de invasores, as lideranças também comunicam à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas acusam que os pedidos demoram a ser atendidos ou verificados.

    Segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de 2022, com dados de 2021, foi registrado aumento de invasões em Terras Indígenas, intensificando os variados tipos de violências, tendo como resultado violações de direitos e da cultura desses povos. Pelo sexto ano consecutivo, o aumento está em três principais frentes de violações: (1) invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e (3) danos ao patrimônio. O Cimi registrou que essas ocorrências representam o triplo de 2018, considerando 226 TIs, em 22 estados brasileiros.

    Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi, afirma que a missão é grandiosa. “O desafio é fazer as instituições responsáveis pela proteção dos territórios, pela vida dos povos, funcionarem, estarem fortalecidas para poder cumprir com o seu papel. A morosidade também é um outro desafio. É complicado.”

    Nesse contexto, o que fica é a luta dos Guardiões da Floresta e lideranças indígenas na busca contínua por reconhecimento de seus espaços territoriais, de luta, de resistência e de existência. Segundo as lideranças consultadas e não identificadas, resistir é trabalhar diariamente na articulação territorial pela vida de milhares de famílias, seus respectivos saberes e cultura, como na TI Araribóia, no Maranhão. Ela representa aqui algumas das experiências de violências e de resistências, dentre as 330 Terras Indígenas identificadas somente no bioma Amazônia, no país.

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    Rodrigo Martins

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