Texto: Diretoria de Comunicação da Uerj
Pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas Indígenas (NuPAI) da Uerj encontraram artefatos que revelam novas evidências de ocupação humana de até oito mil anos no Complexo Arqueológico Lagoa de Itaipu, em Niterói. O local, já explorado nas décadas de 1960 e 1970, teve suas escavações mais recentes iniciadas em 2022 e concluídas em dezembro de 2024. O projeto visa desvendar a história dos povos que habitaram a região e compreender a temporalidade dessa ocupação, estabelecendo conexões entre os diferentes sítios arqueológicos identificados até o momento.
“Esperamos com esta pesquisa contribuir para o debate e para um maior conhecimento sobre os povos originários que habitavam a atual Região Oceânica de Niterói e, da mesma forma, contribuir para propostas futuras de educação patrimonial”, aponta o professor Anderson Marques Garcia, um dos coordenadores do NuPAI.
O complexo arqueológico investigado é o mais antigo do estado do Rio de Janeiro e um dos mais antigos do litoral brasileiro. O local está dividido em cinco áreas, que são a Duna Grande, a Duna Pequena, o Sambaqui de Camboinhas (sambaquis são construções pré-históricas formadas por monte de conchas, restos de animais, plantas, artefatos, sedimentos e restos de combustão), além do sítios Restinga e Jacuné, estes de exploração mais recente.
Uma das hipóteses do estudo é que a região das descobertas abriga um único grande sítio arqueológico e que a Lagoa de Itaipu era o centro da vida social dos antigos ocupantes. “Costumávamos acreditar que alguns desses locais seriam sítios mais recentes, e outros seriam mais antigos. Agora percebemos que, mesmo nos locais que pareciam mais recentes, encontramos artefatos com datas antigas, e, nos locais que pareciam mais antigos, também verificamos artefatos com datas recentes, evidenciando que a ocupação se deu em todo o entorno da lagoa ao longo do tempo”, avalia Garcia.
Achados
As escavações do projeto atingiram entre 40 centímetros e um metro de profundidade. Entre os objetos encontrados estão artefatos líticos lascados e conchas de bivalves, assim como materiais carbonizados (ossos de peixes e plantas), relacionados a uma antiga fogueira. “Encontramos um dente de tubarão, partes de arraia, dentes de corvina, provavelmente assados para alimentação. E apareceram também lascas de quartzo, que eram usadas para cortar e raspar os alimentos”, conta.
Os pesquisadores também descobriram uma mão de mó (artefato de pedra usado para a moagem de alimentos), que se encaixa perfeitamente em um almofariz (suporte para a moagem) encontrado na década de 1960. “Isso é raríssimo. Conversei com colegas de outras partes do Brasil e nunca ninguém viu isso antes”, comemora Garcia. Os novos artigos encontrados serão analisados na Uerj e, depois, salvaguardados no Museu de Arqueologia de Itaipu.
Parcerias, diálogos e perspectivas
Segundo Garcia, um dos desafios atuais é lidar com o avanço de empreendimentos imobiliários. Nas proximidades do sítio arqueológico de Itaipu, há uma área residencial nobre, o bairro de Camboinhas, vizinho ao lado esquerdo da lagoa. “Os moradores mais antigos aqui do entorno não queriam que a especulação imobiliária destruísse ainda mais a área preservada, principalmente o povo de Itaipu, onde existe uma comunidade centenária de pescadores tradicionais perto da Duna Grande. Eles procuraram o Museu de Arqueologia de Itaipu, que entrou em contato conosco, em 2022, e então firmamos a parceria”, relata.
Algumas das características marcantes no trabalho em Arqueologia são a multidisciplinaridade e as parcerias institucionais. Neste projeto, por exemplo, a equipe é formada por especialistas da Uerj, UFF, Fiocruz e UFRJ, e inclui profissionais de Zooarqueologia, com foco em peixes; especialistas em análise de ossos humanos; e profissionais da Geoarqueologia, área que estuda mudanças ambientais ao longo do tempo.
“Minha especialidade é a tecnologia lítica, ou seja, o estudo de artefatos de pedra lascada e polida. Temos dois laboratórios no Departamento de Arqueologia da Uerj, onde realizamos a higienização dos materiais e análises tecnológicas usando lupas. Além disso, contamos com parcerias externas, como laboratórios de Geologia e Física, para análises mais específicas. Um dos principais parceiros é o laboratório da UFF. Essa diversidade institucional e de conhecimentos tem sido essencial para o avanço do projeto”, ressalta Garcia.
Os integrantes do projeto têm buscado dialogar com a sociedade, seja por meio de publicações acadêmicas, que muitas vezes utilizam uma linguagem mais técnica, ou usando uma linguagem mais acessível à população, com a publicação de matérias em veículos como O Globo, TV Brasil e TV Alerj, entre outros, além de postagens no Instagram do projeto.
“Em 2022, alunos do Ensino Fundamental foram recebidos no campo para conhecer o passo a passo da Arqueologia. Outro projeto em andamento envolve a digitalização em 3D de artefatos encontrados, com planos para uma exposição virtual desses objetos, que também serão disponibilizados no site do Museu de Itaipu. Dessa forma, o público poderá interagir com os artefatos arqueológicos e entender melhor os achados ao longo das escavações”, explica.
Os trabalhos, segundo Garcia, também são importantes para os alunos da graduação em Arqueologia da Uerj, que aprendem a identificar no ambiente natural se uma pedra é apenas uma rocha comum ou um artefato lascado. “Esse conhecimento previamente adquirido no laboratório é colocado em prática no campo, onde precisam distinguir, por exemplo, se o que encontram na peneira é um ossinho, uma espinha de peixe ou apenas um galho de planta. Além disso, eles desenvolvem habilidades na documentação, aprendendo a registrar os estratos e a descrever os achados com precisão”, destaca.
Garcia afirma que as escavações recentes trouxeram uma nova perspectiva, de olhar esse grupo de sítios como um conjunto, incluindo, além da Lagoa de Itaipu e o seu entorno, três ilhas próximas à praia de Itaipu: a Ilha da Menina, a Ilha da Mãe e a Ilha do Pai. “Em 2025, planejamos continuar o trabalho de campo, utilizando escavadeiras articuladas para investigar áreas subsuperficiais, em pontos ao norte da lagoa, e também as ilhas, na busca por mais evidências de ocupação”, finaliza.