Imunizada é uma menina de 8 anos, da aldeia Guarani Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã), no bairro de São José do Imbassaí. Município recebeu 820 doses da Pfizer
Rafael Nascimento de Souza (O Globo)
A indígena Yva Mirim Sophia Nunes da Silva Oliveira, de 8 anos, foi a primeira criança a ser vacinada contra a Covid-19 no estado do Rio e uma das primeiras do país. A primeira dose para um indígena mirim no país foi em Davi Seremramiwe Xavante, também de 8, na capital paulista, por volta das 12h desta sexta-feira. Já no estado fluminense, a cidade de Maricá saiu na frente na vacinação de crianças de 5 a 11 anos, e fez sua aplicação às 20h08. Com pouca iluminação, a imunização aconteceu na aldeia Guarani Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã), no bairro de São José do Imbassaí, à luz de faróis e lanternas de celulares. Ao todo, Maricá recebeu 820 doses da Pfizer. A prefeitura da cidade esperava que a vacinação acontecesse às 16h, o que não ocorreu.
Nos postos de saúde de Maricá, porém, a vacina só deve ser aplicada a partir deste sábado (15), conforme divulgado pela prefeitura. Já em outros municípios do estado, inclusive na capital, a vacinação acontecerá a partir da próxima segunda-feira (17). A distribuição das doses recebidas pelo estado deve ter início pelos municípios do Grande Rio.
Da etnia Guarani, Sophia é moradora de Maricá, mas nasceu quando a aldeia ainda ficava em Camboinhas, Niterói. Ela estuda no 4º ano da Escola Parapoty nhe’E já, que fica na aldeia e ajuda a alfabetizar seus amigos e familiares na língua Guarani.
A mãe dela, a indígena Shirlene da Silva Oliveira, 41, acompanhou a vacinação na aldeia junto com outros indígenas. Ela comemorou a dose para a filha.
— Sabemos que as crianças não estão imunes a essa doença. Como é um vírus contagiante, é importantíssimo essa vacina, mesmo com toda a proteção que temos aqui na aldeia. Contamos com Deus e com a vacina que é solução. Eu apoio essa vacina, até porque esse vírus não olha para idade, raça, cor, religião e cultura. Ele está aí e está para todos. Temos que concordar com tudo aquilo que é científico, para a cura. Ele não é só uma gripezinha que cura com chá — afirma Shirlene.
Numa junção da medicina ocidental com a medicina dos povos originários, a pajé da aldeia Para Poty Nhe’E Já Lídia Nunes, 78, recebeu as doses da vacina. Enquanto isso, os pequenos cantavam o cântico “Nossos pais são o sol e o trovão”. Durante todo o tempo, como “proteção”, a pajé ficou ao lado das crianças que eram vacinadas.
— Esse é um momento especial para o meu povo — disse ela ao GLOBO.
A cacique Jurema “Para Rete Yry” Nunes de Oliveira, 40, conta que tem uma responsabilidade muito grande dentro da localidade e que, ao longo dos últimos meses, 14 crianças foram contaminadas com a Covid-19.
— Essa vacina é importante para todos nós. É segurança. É uma felicidade ter essas crianças sendo vacinadas. Eu já estava me preocupando com isso (com o número de crianças contaminadas). Eu via no jornal a quantidade de crianças que perderam a vida e a vacina não chegava. A gente recebe muitos turistas e agora eu fico muito feliz pelos pequenos sendo imunizados — destaca Jurema, que completa:
— Eu não esperava que a gente fosse ser um dos primeiros do país a receber a Pfizer infantil. Quando me ligaram e disseram que seria a primeira aldeia, fiquei alegre. Até porque, nos últimos meses, 14 crianças foram infectadas, mas graças a Deus nenhuma delas foi para o hospital. Eu vejo muitas pessoas falando que têm medo que as crianças podem ter problemas: eu confio em Deus e ele é o maior de todos. Eu falei com os meus dois filhos, de 10 e 11 anos, que é melhor tomar a vacina do que ter algo pior. A gente precisa tomar a vacina. Eu tenho muita responsabilidade e quero minha aldeia toda imunizada.
Ao todo, cerca de 18 mil crianças da cidade serão vacinadas. Vinte indígenas mirins e 300 meninos e meninas com comorbidades e que têm de 5 a 11 anos. A Prefeitura de Maricá diz que não vai cobrar que essa parcela da população seja moradora especificamente da cidade. Ao todo, 20 crianças das aldeias Mata Verde Bonita e da Sítio do Céu (Pevaé Porã Tekoa Ará Hovy Py), que fica em Itaipuaçu, serão imunizadas.
A secretária municipal de Saúde, Solange Regina Oliveira, acompanhou a vacinação. Após 10 horas da chegada das doses da vacina no Rio, ela criticou o Ministério da Saúde que demorou para entregar as vacinas para o país. Ela disse também que “não houve ânsia” da cidade para a imunização dos pequenos.
— A vacina já vinha sido aprovada em outros países da Europa e da América. A Anvisa já havia aprovado a imunização de crianças há dias, mas (o Ministério da Saúde) não havia comprado. Enfim, chegou — disse a secretária, que completou:
— Esse início é esperado há um tempo e ele já tinha que ter sido feito. Tivemos nas festas dos finais de ano e esse grupo desprotegido teve contatos com adultos e idosos e isso contribuiu para o aumento da cadeia de transmissão. Estamos atrasados nesse processo e decidimos dar a vacina imediatamente.
A expectativa é de que as doses terminem na quarta-feira, com a metade das crianças de 11 anos inoculadas. Maricá espera receber mais doses na próxima semana, de acordo com o calendário de entregas do Ministério da Saúde.
— Vamos vacinar as crianças com comorbidades, que são cerca de 300. Ainda vão sobrar 500 doses. Isso dá para imunizar a metade das crianças de 11 anos. Mas, com a quantidade de doses, só conseguiremos fazer isso até quarta. Esperamos receber mais doses na próxima semana para não haver interrupção — afirma Solange.
.