A Capela Ecumênica, no campus Maracanã, foi palco, na última sexta (5), de um momento histórico para a comunidade acadêmica do estado do Rio de Janeiro: o I Encontro Unificado de Estudantes Indígenas da Uerj. A data, que coincide com o Dia Internacional da Mulher Indígena, foi escolhida por simbolizar a luta, a resistência e a força das vozes dos povos originários.
Organizado pelo Coletivo de Estudantes Indígenas da Uerj (CEI-Uerj), o evento reuniu, pela primeira vez, representantes de diversas universidades públicas fluminenses – estiveram presentes os coletivos da Uerj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
A programação iniciou com uma vivência de grafismo indígena em um dos acessos do Restaurante Universitário. Em seguida, na Capela, houve uma apresentação cultural dos integrantes da Aldeia Maracanã, um espaço de resistência cultural que busca garantir a presença e o reconhecimento dos povos indígenas na cidade. Na sequência, o tom de celebração do encontro dividiu espaço com as reivindicações por maior visibilidade e por políticas de permanência adequadas à realidade dos estudantes indígenas no estado.
Maria Raíssa, estudante de Pedagogia, indígena da etnia Tabajara e uma das organizadoras do evento pelo CEI-Uerj, abriu as falas destacando a importância da iniciativa. “Essa atividade nasce como um espaço de união, de visibilidade e de fortalecimento da presença indígena dentro da Universidade, reafirmando a importância do reconhecimento da permanência estudantil e da valorização de identidades originárias no espaço acadêmico”, afirmou.
Ela enfatizou que o evento foi crucial para criar pontes entre os diversos coletivos presentes. “Além de abrir espaço de visibilidade, da escuta e do fortalecimento da identidade indígena, é fundamental para dizer que nós não estamos sozinhos, pois fazemos parte de uma luta maior que ultrapassa os muros das instituições”, completou.
O apoio institucional
Representando a Reitoria da Uerj, o pró-reitor de Políticas e Assistência Estudantis (PR4), Daniel Pinha, reafirmou o compromisso da Universidade com a permanência estudantil. “É com muita alegria que estou aqui. As cotas para os povos indígenas foram uma conquista histórica. Elas têm um poder muito grande de ‘desestabilizar’ as formas de produção do conhecimento na Uerj. Priorizamos a agenda de ampliação da publicidade e do preenchimento dessas vagas”, disse.
Pinha destacou a responsabilidade da instituição com o conhecimento produzido pelos povos originários, bem como a sua diversidade. “Vivemos um momento muito importante na luta dos povos indígenas, pois também é a nossa luta pela demarcação de terras e pela implementação da Lei 11.645/2008, que obriga a valorização da história e cultura negra e indígena nas escolas e universidades. A PR4 e a Reitoria assumem essa responsabilidade e saúdam esse encontro”, finalizou.
A luta contra o apagamento
A fala emocionada de Clailde Moreira, da etnia Ka’apor, estudante de Serviço Social e integrante do CEI-Uerj, trouxe à tona a realidade do apagamento histórico. “Entrei na Universidade em 2015 e só no final da graduação descobri que existia um coletivo indígena. Para mim, chegar aqui foi uma luta muito extensa”, contou.
Ela defendeu a urgência de políticas específicas. “Nós, indígenas, queremos um currículo que leve em conta nossa especificidade, nossa cultura, nossa visão, nossas línguas. Precisamos de apoio de escrita, de linguagem, de um olhar diferenciado. Precisamos de políticas construídas por nós, de acordo com as nossas demandas”, declarou.
A força ancestral das mulheres e a coragem para ocupar espaços
Ana Cristina da Costa, da etnia Kariri, representante do CEI-UFRJ (Coletivo Indígena da Universidade Federal do Rio de Janeiro), iniciou sua fala homenageando as mulheres indígenas, guardiãs dos saberes. “Somos o resultado da luta dessas mulheres. Hoje lembramos de Bartolina Sisa, esquartejada em 1782, e de Nega Pataxó, assassinada em 2024. Suas lutas ecoam aqui”, observou. Ela criticou a lentidão nas políticas públicas e a falta de reconhecimento. “Queremos políticas efetivas, práticas, que garantam nossa existência plena na Universidade”, concluiu.
Representante do CEI-UFRRJ (Coletivo Indígena da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Mayra Guajajara compartilhou sua trajetória pessoal de superação da timidez para lutar por sua comunidade. “Eu tinha muita vergonha de falar. Mas me disseram: ‘Se não for você, quem vai ser?’. O coletivo surgiu para pegar na nossa mão, levantar e dizer: você vai conseguir”, lembrou.
Próximos passos do CEI-Uerj
Segundo Maria Raíssa, o CEI-Uerj já planeja os próximos passos, que incluem a institucionalização do coletivo, a ampliação de parcerias e a proposição de reuniões com setores da Universidade para implementar políticas de permanência efetivas e culturalmente adequadas, sempre com o protagonismo dos próprios estudantes indígenas.
A representante informou ainda que, após o evento, o Coletivo Indígena da Uerj recebeu o contato de novos alunos interessados em se cadastrar, o que aumentou o número de integrantes de 15 para 28.
O I Encontro Unificado deixou um recado claro a toda a comunidade acadêmica: as demandas dos estudantes indígenas por visibilidade, permanência qualificada e respeito à diversidade cultural são urgentes e legítimas.