Quem foi Luiz Lana, escritor indígena que eternizou mitologia dos Desana

Texto: Letícia Misna – Site Agenda Cenarium

MANAUS (AM) – Luiz Gomes Lana, conhecido como Tolamãn Kenhíri, escritor indígena reconhecido por colocar no papel a mitologia do povo Desana, etnia da qual fazia parte, morreu nesse sábado, 22, aos 77 anos. No seu legado está a obra “Antes o Mundo Não Existia”, lançada em 1980, considerada um clássico da antropologia brasileira.

Luiz Lana nasceu em 1947, na Terra Indígena (TI) Comunidade São João Batista do Rio Tiquié, localizada no Alto Rio Negro, interior do Amazonas. Ao longo de sua vida, tornou-se uma liderança indígena importante da região.

Em 1990, fundou a União das Nações Indígenas do Rio Tiquié (Unirt) que, além dos Desana, era composta pelos povos Tukano, Bará e Barasana. O principal objetivo da organização era defender os indígenas da região e, em geral, de toda espécie de lesão aos seus direitos e interesses, além de cooperar com as autoridades em tudo que dizia respeito aos interesses e bem-estar dos mesmos.

A Unirt era filiada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), da qual Lana também foi um dos idealizadores. Em nota de pesar nas redes sociais, a instituição lembrou que a dedicação do escritor à transmissão do conhecimento tradicional marcou uma nova era na valorização da oralidade indígena, garantindo que as histórias, mitos e saberes ancestrais fossem reconhecidos e respeitados em todo o mundo.

“Além de sua contribuição intelectual e artística, Luiz Lana desempenhou um papel essencial na organização política e cultural dos povos indígenas do Rio Negro. Como um dos idealizadores da Foirn e presidente da Unirt, ele trabalhou incansavelmente pelo fortalecimento da autonomia das comunidades. Seu compromisso com a preservação da cultura também se refletiu na criação da Maloca-Museu, um espaço dedicado à formação das novas gerações. Tolamãn Kenhíri vive do outro lado da vida, invisível aos olhos, mas eternamente presente em nossas memórias”, publicou a Foirn.

O Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) também lamentou a morte de Luiz Lana, lembrando que a organização é “fruto das reflexões que o parente construiu no Alto Rio Negro“. “Luiz Lana deixa um legado inspirador e de resistência para nossas lutas enquanto indígenas acadêmicos. Que sua memória continue a nos inspirar!“, declarou a organização.

Em comentário na nota de pesar publicada pelo Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) na rede social Instagram, o também líder indígena e escritor Ailton Krenak se manifestou sobre a morte de Tolamãn Kenhíri, celebrando o privilégio de tê-lo conhecido em vida.

“Um mestre que deixou seu legado em muitos suportes, como desenhos e textos e uma oralidade de repercussão nas obras de outros autores e pesquisadores, dentro e também fora do seu Amazonas. Me junto aos que tiveram a alegria e prêmio de ter conhecido Tolamã Kehhiri, em gratidão por sua vida entre nós Luíz Lana. Encantado“, declarou.

O mundo

Em 1980, Luiz Lana lançou a obra “Antes o Mundo Não Existia”, que escreveu em conjunto com seu pai, Firminano Arantes Lana, ou Umúsin Panlõn Kumu, já falecido. Foi Berta Ribeiro — importante antropóloga que trabalhou pela causa indígena e publicou artigos científicos com Tolamãn Kenhír — quem datilografou e revisou o livro, primordialmente escrito a mão em um caderno de Luiz.

O livro, considerado o primeiro publicado por autores indígenas no Brasil, é uma coletânea de narrativas míticas do povo Desana, descritas entre textos e desenhos ao longo de mais de 200 páginas. A obra foi traduzida para outras línguas, como italiano e espanhol, e é reverenciado até os dias atuais.

Um documentário sobre sua obra estava sendo produzido nos últimos meses, mas ainda não há previsão de lançamento. “Agora, ele segue seu caminho na canoa da transformação”, declararam os responsáveis pela produção.

Tolamãn Kenhíri deixa a esposa Catarina Castro, do povo Tukano, e cinco filhos. A causa da morte não foi informada.

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Rodrigo Martins

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