Nas quatro pontas da Amazônia, povos indígenas desenvolvem estratégias para proteger a floresta

Texto: Clara Roman – Jornalista do ISA

    Grupo das Guerreiras da Floresta, formado por indígenas Guajajara 📷 Acervo Guerreiras da Floresta

    Em Belém (PA), indigenistas e técnicos que atuam em Roraima, Pará, Maranhão e Rondônia falaram sobre como os povos originários, em parceria com organizações, estão combatendo a destruição nas áreas mais invadidas

    Na Amazônia Maranhense, o grupo das Guerreiras da Floresta, formado por indígenas do povo Guajajara, percebeu uma outra forma de atuar na proteção do seu território: pela palavra. Formado em 2014, o grupo tem como objetivo proteger as florestas do Mosaico do Gurupi, composto por seis Terras Indígenas e uma reserva biológica (Rebio do Gurupi).

    Os homens do povo Guajajara já haviam formado o grupo Guardiões da Floresta, que atuava sobretudo com expedições de vigilância e monitoramento. As mulheres, no entanto, resolveram atuar por outro sentido: a sensibilização do entorno.

    A partir de então, passaram a fazer um trabalho de conscientização, com palestras sobre os direitos territoriais dos povos indígenas nos povoados vizinhos de seu território. Nessas visitas, abordam a importância da conservação ambiental da floresta e dos serviços ecossistêmicos que se estendem a indígenas e não indígenas.

    O relato é de João Guilherme Nunes Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), durante os Diálogos Amazônicos, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto em Belém (PA).

    Especialistas de quatro regiões da Amazônia se reuniram no dia 4, na Universidade Federal do Pará (UFPA), para falar sobre proteção territorial, em uma troca rara e muito rica sobre as realidades de cada território.

    No caso das Guerreiras, Cruz contou que, do contato com essa realidade do entorno, as mulheres perceberam as próprias vulnerabilidades socioeconômicas da população não-indígena, e começaram a trabalhar a partir dessa realidade, gerando diálogos e parcerias.

    Daí nasceu o projeto “Traçando Novos Caminhos para o Bem Viver”, da associação Wirazu em parceria com o ISPN e Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS).

    A iniciativa oferta às famílias ou aos indivíduos desses povoados uma pequena linha de financiamento via microprojetos para desenvolvimento de iniciativas produtivas como hortas, roças e plantio árvores frutíferas,  reflorestamento/viveiros e pequenas criações de animais de pequeno porte. Cada microprojeto selecionado pode pegar  um financiamento de até R$ 2 mil.

    Cruz fala de um território de floresta escassa, numa das áreas mais destruídas da Amazônia. A vegetação nativa só resiste nas áreas protegidas, o entorno já foi destruído em sua maior parte. “A devastação aprofunda a miséria. Os índices econômicos caem quando os socioambientais também caem”, disse.

    Do outro lado da Amazônia, de Rondônia, veio o exemplo do trabalho dos indígenas da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, por meio do relato do assessor Israel Correa do Vale Junior. Em sua apresentação, ele mostrou um mapa de como os indígenas enxergam seu próprio território.

    Ao contrário da representação cartográfica do não-indígena, o mapa apresentado por ele trazia detalhes que só os indígenas poderiam indicar dentro do seu próprio território: locais sagrados, cemitérios, além das aldeias, rios e outras feições. “A principal coisa é escutá-los”, afirmou Israel.

    São os indígenas que melhor conhecem aquele território e que circulam por ele com mais frequência. Inclusive, são eles que fornecem as melhores informações de inteligência para combater as invasões. Hoje, por meio de uma plataforma da ONG Kanindé (Sistema de Monitoramento de Desmatamento Kanindé , o SMDK), eles conseguem realizar um monitoramento em tempo real dos alertas de desmatamento. Os indígenas também estão se capacitando com o uso de drones e de aplicativos de coleta de informações para a verificação dos alertas.

    Israel lembra da importância desse monitoramento durante a pandemia. Todas as ações de proteção governamental foram paralisadas, mas as invasões não pararam. Os Jupaú então utilizaram seus conhecimentos tradicionais aliados a tecnologia e realizaram expedições no território.

    Hoje, são quatro povos contatados (Jupaú, Amondawa, Oro Win e Cabixi) que habitam esse território, além de indígenas isolados. Muitas vezes, eles têm problemas específicos. Mas, na gestão territorial, se unem, conta Israel.

    Do Xingu, que nasce no Mato Grosso e atravessa o centro do Pará, a analista de geoprocessamento do Instituto Socioambiental (ISA) Thaise Rodrigues compartilhou a experiência de proteção da Rede Xingu+, uma articulação formada por 32 organizações de povos indígenas, ribeirinhos e instituições que fazem parte do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu.

    São três eixos de monitoramento: o remoto, feito a partir de imagens de satélite e por meio de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto; o colaborativo, realizado por parceiros que atuam em campo; e o administrativo e judicial, que acompanha processos que podem afetar o território e o direito dos povos e comunidades tradicionais do corredor. E que se desdobram em um componente de advocacy, de apoio às associações locais e de comunicação para toda a sociedade.

    A atuação em rede de várias organizações foi fundamental nos últimos anos, quando o desmatamento na região aumentou expressivamente e avançou para dentro das áreas protegidas. Segundo a especialista, é no Corredor Xingu que estão as Terras Indígenas e algumas das Unidades de Conservação mais desmatadas de toda a Amazônia Legal. Foi nesse cenário que a Rede Xingu+ trabalhou para garantir ações de proteção nos territórios e a manutenção dos direitos de suas comunidades.

    Na plataforma da Rede, é possível acessar o mapa do Observatório do Xingu, com camadas de desmatamento, obras e diversas outras informações. Além disso, há um radar de obras, com atualizações sobre o licenciamento e demais processos das principais obras que afetam a bacia. Confira aqui.

    Garimpo na TI Yanomami

    Estêvão Senra, geógrafo do ISA, compartilhou a experiência das ações de proteção territorial e acompanhamento da emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami, que está situada em Roraima e Amazonas.

    “Tem toda uma estrutura do crime que sustenta o crime ambiental”, afirmou. “Em sobrevoos de monitoramento, foram encontradas máquinas escavadeiras trabalhando dentro da TI, que chegam a custar R$ 1 milhão. Ou seja, a invasão envolve grande capital, não são pessoas que estão lutando pela sua sobrevivência”, explicou.

    Apesar da melhora considerável a partir do início deste ano, com operações de fiscalização feitas no início do novo governo, a situação ainda é sensível. Senra citou o relatório Nós ainda estamos sofrendo: um balanço dos primeiros meses da emergência Yanomami, lançado no início de agosto pelas associações Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami.

    O relatório avalia que, entre as ações do governo para alcançar a estabilização, as focadas no “estrangulamento logístico” foram as mais eficazes para a retirada dos invasores, especialmente o controle do espaço aéreo e o bloqueio dos grandes rios.

    Em 30 de janeiro, o governo federal criou a Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida). No entanto, a medida se sustentou por apenas seis dias, devido à pressão exercida por parlamentares de Roraima que estão associados ao garimpo ilegal.

    De 6 de fevereiro a 6 de abril, exatos dois meses, o governo fez a manutenção de três “corredores humanitários” aéreos abertos a fim de levar a uma saída espontânea dos criminosos.

    O balanço aponta que esta medida reduziu custos das ações de combate, mas também favoreceu os “donos de garimpos” que puderam retirar parte do seu equipamento sem maiores prejuízos. Segundo o relatório, há rumores de que alguns desses “empresários” estejam esperando o enfraquecimento da fiscalização para retornar a operar no território.

    Troca de experiências

    O técnico Leonardo de Moura, do ISA de Altamira (PA), que mediou o debate, lembrou que esta troca de experiências sobre as ações de  proteção de diferentes territórios são importantes para formar um acúmulo mais abrangente de conhecimento sobre o assunto para tornar as medidas de combate ao desmatamento mais efetivas em toda a região amazônica.

    Mas lembrou também que resultados mais estáveis das ações dependem do desenvolvimento de uma economia local baseada em atividades sustentáveis. “Enquanto as economias locais de muitos municípios amazônicos for baseada em atividades como o garimpo, a exploração madeireira ilegal e a grilagem de terras públicas, as ações de comando e controle estarão sempre enxugando gelo”, avaliou.

    “No primeiro descuido, as atividades ilegais voltam, pois elas são a grande fonte de emprego nestes locais”, lembrou. “Por outro lado, essa nova economia também depende do comando e controle, pois atividades como a exploração de produtos florestais não madeireiros, como a cultura do cacau, não competem economicamente com as atividades que destroem. Mas nem precisam concorrer, pois estas são ilegais e devem ser combatidas”, concluiu.

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    Rodrigo Martins

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