Indígenas Warao refugiados no Munícipio de Nova Iguaçu: tecendo a esperança

Texto: Carla Sampaio, professora da rede educativa de Nova Iguaçu, pesquisadora e integrante do Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação (NEPIIE-FEBF/UERJ).

 

No Brasil, desde 2014, há crescente movimento migratório de indígenas da etnia Warao

    Crianças Warao usando o celular na Escola Abrigo, situada no Parque Estoril – Nova Iguaçu/RJ
    Fonte: GEPELID  (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE LINGUAGENS E DIFERENÇAS –UFRRJ)

    Em 2020, em meio à pandemia de Covid, chegou à cidade de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro, um grupo familiar composto por 10 adultos e 17 crianças, três delas nascidas em solo brasileiro. Eles são indígenas venezuelanos refugiados, de etnia Warao, povo originário da região do Delta do Amacuro, Venezuela.

    Sua língua materna é o Warao. Mas, no Brasil, a comunicação se dá pelo uso do  Espanhol, isso porque muitos adultos falam em espanhol e compreendem o português com certa dificuldade, assim como as crianças.

    Sabe-se que grande parte desse povo morava às margens do rio Orinoco, em pequenas comunidades de palafita (Hanoko), e que o principal meio de transporte era a canoa. Eles viviam da pesca, agricultura, caça e artesanato. Sua crença é a de que todos os elementos possuem vida, acreditando em espíritos da floresta e na cura por meio da medicina natural.

    Mas, infelizmente, estes foram obrigados a se deslocar de seu território por conta do desmatamento das florestas e o assoreamento dos rios. Assim, se foram para a cidade de seu país de origem, mas, ao chegarem lá, passaram a enfrentar grandes dificuldades, como a fome e a miséria, provocadas especialmente pela crise política e humanitária da Venezuela. Nesse contexto, começou a existir um crescente processo migratório de uma parcela da população, entre indígenas e não indígenas, pessoas estas que lutam pela sobrevivência em outros países, incluindo o Brasil.

     

    “Em um determinado dia, antes de irmos para o Brasil, a gente estava na rua e chorava de fome, foi quando uma moça que estava voltando para a Venezuela nos ofereceu biscoito. Não tínhamos nada, nem casa, nem trabalho, nem comida…”

    (Jovem Warao, caderno de campo GEPELID, 23/09/2021)

     

    Ao narrar suas memórias de infância para o Grupo de Pesquisa GEPELID, orientado pela professora Flávia Motta, UFRRJ, no qual eu fazia parte no ano de 2021, uma jovem Warao de 17 anos, indígena refugiada em Nova Iguaçu/RJ, relata com voz embargada, que sentia saudade de quando seu pai trazia peixes pescados no rio perto de sua casa. Mas, que com o passar do tempo, a comida deixou de ser farta e foram obrigados a se deslocarem para a cidade.

    Quando ainda estavam na Venezuela, enfrentaram grandes desafios e dificuldades, eles não conseguiram emprego, e sua mãe acabou adoecendo (dor de cabeça, febre,…). Sem recursos para cuidar dela decidiram sair de seu país. Foi quando souberam de parentes, que no Brasil, que as condições de vida seriam melhores, pois havia comida e roupas em abundância. Então, iniciou-se a diáspora desse grupo, na luta pela sobrevivência, levando em sua bagagem a esperança por uma vida melhor.

    DA VENEZULA À NOVA IGUAÇU-RJ

     

    Para chegar à capital de Roraima, cidade que faz fronteira com aquele país, trilharam por vias terrestres, um percurso de aproximadamente 3,6 quilômetros, um longo caminho, ora pedindo carona e ora andando. Assim, encontraram uma dura realidade.

       

       

      Para enfrentar a fome, as mulheres começaram a trabalhar como pedintes nas ruas da cidade, na cultura Warao, o ato de pedir dinheiro é uma forma de trabalho. Para eles, este é meio de sobrevivência, mas muitos não compreendem e os julgam, discriminando-os, e este é um ponto de tensão e conflito cultural.

      Como enfrentavam dificuldades, buscaram melhores condições de vida em muitos estados do Brasil, como Manaus onde moraram na rua, dentro de uma cabana, por aproximadamente uma semana, depois foram levados para um abrigo no capital Amazonense, lá ficaram por 7 meses. Após esse período, foram morar de aluguel, mas como o grupo era composto por muitos membros, foram retirados da casa pelo locatário.

      Assim, conseguiram comprar um bilhete para Porto Belo, SC (tinha um parente lá) e saíram em busca de novas oportunidades, reascendendo a esperança. Mas, em um dos episódios narrados pela jovem Warao, e reforçado por sua mãe e tia que estavam na entrevista de campo, sua família foi despejadas, sem dó, nem piedade, por um homem embriagado, dono da casa em que estavam. E, com vozes embargadas, narram que foram colocados para fora de sua casa, com as crianças, algumas de colo, sem falar nosso idioma.

      Com isso, receberam um novo convite para irem para Brasília/Goiânia, um de seus tios, e assim seguiram viagem, de carona em carona conseguiram chegar em uma busca incansável pelo recomeço.  Esse grupo é andarilho, o fugir da fome é a esperança que os move.

      Em Goiânia, moraram na rua novamente, embaixo de uma lona e decidiram ir para o Rio de Janeiro, por acharem que teriam mais oportunidades. Contudo, novamente, foram morar na rua, por falta de dinheiro. Quando um grupo religioso os convidou para irem para o município de Japeri, na esperança de conseguirem dinheiro para voltar para a Venezuela, aceitaram a ajuda humanitária e foram morar em uma casa cedida pela igreja.

      Mas, pouco tempo depois, a casa foi pedida e o município alegou não ter condições de acolher aquele grupo. Assim, os mesmos foram abrigados no município de Nova Iguaçu, pela Secretaria de Assistência Social de Nova Iguaçu, que começou a prestar o serviço de atendimento básico a eles, com apoio da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados). Eles foram abrigados em uma escola desativada, que se tornou o abrigo provisório desta família, no bairro de Parque Estoril.

        Escola Abrigo, situada no Parque Estoril – Nova Iguaçu/RJ
        Fonte: GEPELID  (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE LINGUAGENS E DIFERENÇAS –UFRRJ)

        Algumas ações de política pública foram realizadas, como fornecimento de auxilio moradia, cesta básica, orientações para o mercado de trabalho e escola para as crianças (de uma cultura não indígena). Porém, ainda há muito que avançar nesta agenda.

        Após um ano, eles ainda continuam no mesmo abrigo, tendo como fonte de recurso os auxílios governamentais e trabalho nas ruas, como pedintes. Mas, o artesanato na cultura Warao é uma marca importante, eles são exímios artesãos.

        Em sua terra, o artesanato é feito com a palha do Buriti, denominada por eles como a árvore da vida. Mas, no município em que residem, não há essa matéria prima. Então, o grupo se reinventou e adaptou o seu artesanato, usando miçangas, linhas e palha da costa (vendidas em casa de matriz africana).

            Fonte: GEPELID  (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE LINGUAGENS E DIFERENÇAS –UFRRJ)

                Fonte:  REDE  INTERSETORIAL WARAO – NI

                Atualmente, há um grupo criado pela Assistência, com apoio da sociedade civil, universidades públicas e entidades governamentais, empenhado em conseguir um lar definitivo para eles e formação profissional, além de apoio em seu artesanato, que possivelmente poderá ser o meio de subsistência desse grupo.

                Apesar de reconhecermos o esforço empenhado pelo grupo intersetorial, por meio de reuniões promovidas, a fim de criar estratégias para apoiar o grupo de refugiados e tentar oportunizar autonomia à eles. Ainda há muito o que avançar no que diz respeito ao conhecimento e reconhecimento da cultura Warao, considerando a interculturalidade neste processo.

                Carla Soares de Souza Sampaio

                Professora na Rede Municipal de Educação de Nova Iguaçu e Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

                Pesquisadora do grupo GEPELID / UFRRJ em 2021 e, atualmente, na NEPIIE- FEBF / UERJ.

                Mestranda de Educação UERJ/FEBF

                 

                 

                Para conhecer mais sobre a cultura Warao, clique nos links abaixo:

                Relatório sobre a atuação em rede da ACNUR:

                https://www.acnur.org/portugues/2021/06/08/acnur-lanca-relatorio-sobre-atuacao-em-rede-no-apoio-aos-indigenas-venezuelanos-warao/

                 

                Vídeo sobre a cultura WARAO no artesanato:  NONA ANONAMO Somos todas artesãs

                https://www.youtube.com/watch?v=khTKGHWcc54&feature=youtu.be

                 

                Documentário sobre as dificuldades de migração do Povo Warao no Brasil

                https://www.youtube.com/watch?v=swF90QP_WyQ

                Compartilhar

                Rodrigo Martins

                Deixe um comentário

                O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

                Next Post

                Jurupari, Exu e o dr. Edilson no carnaval

                dom maio 1 , 2022
                Texto: José Ribamar Bessa Freire (UNIRIO e PROINDIO-UERJ) “Jesus Cristo umpuana Yurupari – Jesus expulsou os demônios”. (Pequeno Catecismo Português e Nheengatú. Manaus. 1944) Jurupari não é o diabo. Mas a Unidos da Tijuca espalhou que é. Com o enredo sobre o povo do guaraná, o carnavalesco Jack Vasconcelos, bem intencionado, debateu […]

                Você pode gostar: