Cineasta indígena, Alberto Alvares filma para preservar a memória Guarani

Texto: Rafael Ciscati – Site Brasil de Fato
O diretor, da etnia Guarani Nhadeva, vê no cinema uma forma manter vivos aspectos da cultura de seu povo.

Logo nos primeiros minutos do documentário “A última cena”, do cineasta indígena Alberto  Alvares, um ancião da etnia Guarani M’byá se dirige às crianças da aldeia. “Vocês, crianças, não vão conseguir me responder na fala antiga”, afirma o idoso, falando em guarani. “Mas mesmo assim eu vou falar [como antigamente]”.

Alvares divulgou o filme, um curta de 20 minutos, em junho passado, no canal que mantém no Youtube. É seu lançamento mais recente. O título não deixa espaço para dúvidas: na produção, ele reuniu as últimas imagens que gravou de três lideranças Guarani no Rio de Janeiro. Reuniu também reflexões sobre o próprio pai, que morreu sem ser filmado. São pessoas cujos conhecimentos, histórias e modos de falar, Alvares não quer que caiam no esquecimento. “Eu trabalho para salvaguardar a memória. Quero deixar esses saberes registrados para as próximas gerações. Mostrar para a sociedade outros modos de pensar”.

Aos 41 anos, Alvares passou a última década e meia resgatando as memórias dos Guarani. Grosso modo, seu método consiste em passar dias filmando o cotidiano de uma aldeia e ouvindo as histórias de seus moradores. Nascido no Mato Grosso do Sul, numa aldeia Guarani Nhandeva, ele fala fluentemente as outras duas variantes do idioma guarani: a Kaiowá e a Mbya. “Gosto de me sentar para conversar com os mais velhos”, explica. “Entender como pensam o mundo”.

Trata-se de um hábito útil a alguém que quer registar o nhandereko — o modo de viver Guarani. Marcadamente oral, a cultura desse povo é transmitida entre as gerações por meio de histórias e da repetição de hábitos. Se um ancião não compartilha o que viveu, ou se os jovens perdem o interesse no que ele tem para dizer, traços da cultura correm o risco de desaparecer.

É o que vem acontecendo com o que os Guarani chamam de “a língua antiga”, na qual o entrevistado de Alvares fala no início de “A última cena”.

O cineasta explica que ela é uma espécie de variação poética do idioma. É geralmente empregada durante cerimônias religiosas. “Quando usada no dia a dia, poucos a entendem”, diz Alvares. Ele próprio não entendia, até começar a filmar. “À medida que conversava com os mais velhos, fui aprendendo”. Nos seus filmes, a “língua antiga”, que as crianças já não conhecem, continua viva. Alvares filma para não esquecer.

 

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Rodrigo Martins

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